sábado, 19 de janeiro de 2013

  O MITO DA RESSOCIALIZAÇÃO                                              










A ressocialização de presos é tratada como um princípio do direito penal no Brasil. Na prática é fruto mais de um conceito de “politicamente correto” do que uma pesquisa empírica. Na maioria dos países a ressocialização não é um objetivo do Direito Penal, o qual tem como objetivo punir, e cita-se como exemplo os Estados Unidos. Por outro lado, a Constituição Italiana prevê que a ressocialização é um dever do sistema prisional.

As pessoas confundem “humanização” com “ressocialização”. Ou seja, nos Estados Unidos os presídios são bem melhores que os brasileiros, pois visam o cumprimento da pena respeitando os direitos humanos dos presos ao menos no aspecto de estrutura física. No entanto, são extremamente rigorosos no cumprimento da pena com punições administrativas que não são computadas no quantum da pena.

No Brasil não há uma norma prevendo expressamente este objetivo de ressocialização, o qual é difundido de forma tão opressiva que muitos chegam a acreditar que a função do Direito Penal é como a de um Mosteiro que é formar monges após a ressocialização.

No entanto, esquecem-se que a ressocialização é como deixar de fumar, beber, usar drogas, ou seja, depende 99% da vontade do sujeito e apenas 1% do apoio estatal, da família ou da sociedade.

Noutro sentido é possível sustentar para a ideologia dominante, para a qual a ressocialização é um objetivo do direito de punir do Estado, que então todas as pessoas que cometem ato imoral ou ilícito deveriam ser processadas e presas para serem “ressocializadas”. E mais, a pena não seria finalizada enquanto não se tivesse certeza de que estão ressocializadas (boa parte ficaria presa eternamente).

Em razão deste objetivo místico de ressocializar presos fica a incógnita de como ressocializar quem cumpre pena alternativa (sem prisão).

Para esta visão absoluta de ressocialização são concedidos benesses aos presos como indulto (perdão da pena), saídas temporárias (35 dias por ano), direito de visitas como se fosse um pequenique prisional com crianças e familiares passeando pelos presídios, enquanto outros conseguem direito de terem relações sexuais nas celas motel, além de muitos outros, mas mesmo assim a população carcerária continua a aumentar.

Um dos motivos para o aumento da quantidade de presos são os pequenos delitos cometidos por usuários de drogas, mas para o grupo que comanda a política prisional ainda acredita que ensinar artesanato para preso é mais útil e eficaz do que implantar políticas de atendimento ao usuário de drogas nos presídios, embora haja pesquisas nos Estados Unidos que comprovam resultados para tratamento dependentes químicos nos presídios.

A ideologia dominante usa os meios estatais de comunicação social do Governo para divulgarem que prisão gera mais reincidência, mas não mostram os dados e nem a forma de apuração dos mesmos. Difícil imaginar como fazem isto se nem há um banco de dados integrado.

Ademais, nem todo criminoso é flagrado ou tem a sua autoria descoberta.

A rigor, infratores que cometem crimes que geram prisão são mais perigosos, bem como habituais no crime, e criminosos que cometem crimes que implicam em penas alternativas são criminosos menos perigosos e eventuais. Logo, é natural que punidos com pena alternativa gerem menos reincidência. Em suma, a ideologia dominante confunde causa com conseqüência. As pessoas não cometem mais crimes porque são presas, mas sim são presas porque cometem crimes mais perigosos, logo a reincidência é causa e não conseqüência, ao contrário do que sustenta a ideologia dominante.

Na lógica atual a função do direito penal deixou de ser punir e passou a ser ressocializar. Isto banaliza o direito penal, descaracteriza sua autoridade moral, amplia excessivamente o leque de crimes, transforma criminosos em falsas vítimas da sociedade e paradoxalmente aumenta o número de presos.

De fato há mais presos pobres, mas isto decorre de dois fatores: o primeiro é que temos em qualquer país do mundo mais pobres do que ricos. Outro fator é que pobres tendem a cometer crimes menos elaborados como furtos e são presos mais facilmente. Enquanto ricos cometem crimes mais elaborados como golpes, desvios pela internet e no Brasil temos uma investigação precária que não consegue apurar estes crimes mais complexos. Logo, tanto ricos como pobres cometem crimes, porém é mais fácil provar furtos do que golpes, portanto a PM prende mais em flagrante de furto (crime menos complexo).

As pessoas cometem crime porque querem, e não por uma imposição da sociedade, como sustenta a teoria da “defesa social”. Isto não significa que o cumprimento da pena não deva obedecer aos princípios da humanização. No entanto, não faz sentido que criminosos perigosos sejam considerados vítimas com benesses enquanto a sociedade fica refém de seus ataques.

Kant já afirmava que a função do direito penal é punir. Mas, atualmente quem sustenta esta linha é considerado como “persona non grata” no Brasil.

Não tem como o Estado impor a ressocialização aos presos, pois muitos não querem. Outros não precisam de serem ressocializados porque são criminosos eventuais como um homicida em razão de uma discussão.

A ressocialização deve ser considerada como a necessidade de o cidadão cumprir os seus deveres e direitos. No entanto, na execução penal é comum que presos aprendam que têm apenas direitos e nunca deveres, principalmente pela benevolência dos Tribunais.

Não é ensinando os presos a fazerem artesanato, nem ensinando a trabalhar na construção civil que serão ressocializados, pois direito penal não direito de qualificação profissional. Estas atividades têm sua finalidade nobre e romântica, mas não diminuirão a criminalidade. Afinal, o que diminui criminalidade é punição e se o Direito Penal perde o controle social de punição, então a reincidência aumenta.

Lado outro, com o tempo as pessoas tendem a cometer crimes mais elaborados ou diminuem os crimes assim que diminui a dopamina (hormônio do risco e do prazer). Portanto, com a idade é natural que o cidadão deixe de cometer crimes e não por causa de eventual política assistencialista prisional. Em suma, depois dos 40 anos é natural que o criminoso deixe de cometer crimes com maiores riscos, exceto se for psicopata ou um golpista inveterado.

Simplesmente ser aprovado em ENEN (Exame educacional) também não é ressocialização, nem sinal de que não vai cometer crime, pois se fosse assim não existiria médicos, advogados, promotores, juízes, delegados, fiscais, empresários e até banqueiros cometendo crime.

Sem dúvida alguns ressocializarão, porém muito mais pela assistência religiosa ou pela vontade própria do apenado, do que pelos demais serviços sustentados pelos adeptos da ideologia da ressocialização.

Por fim, a ressocialização é um ato de vontade do cidadão, não pode ser imposta pelo Estado. Outrossim, não são apenas presos, que deveriam ser ressocializados, afinal, a ressocialização não é uma função exclusiva do direito penal, mas de qualquer ramo do Direito e até da moral. Ademais, pode-se afirmar que a ressocialização é um conceito mais moral do que jurídico, não se confundindo humanização com ressocialização, pois conceitos diversos como se vê nos Estados Unidos.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos chega aos 64 anos de existência com alguns excelentes frutos: moldou comportamentos, definiu responsabilidades, criou laços de solidariedade, dissecou às últimas consequências temas vitais como dignidade humana, justiça, liberdade e segurança coletiva. Em alguns de seus aspectos fundamentais, ainda é, lamentavelmente, uma carta de boas intenções.
 
No último meio século, mais de uma centena de nações vieram à existência. A Declaração de Direitos Humanos teve reforçada sua função representativa da totalidade das nações emergentes, ao ser gradativamente ratificada pelo dobro dos países signatários originais. Ela é, por si e em si, o documento básico que articulou os direitos inalienáveis de todos os membros da família humana e, de certa forma, seu conteúdo poderia ser visualizado como sendo o conjunto de anseios e esperanças acalentados por gerações de homens e mulheres, crianças e idosos, das mais variadas raças, etnias e crenças religiosas — anseios e esperanças essas pelos quais todos de alguma maneira viveram, lutaram e pereceram.
 
Guerras e conflitos sangrentos foram travados sempre que temas maiores, como justiça, liberdade, dignidade ou soberania nacional estiveram ameaçadas pela mão forte do opressor. A Declaração representa o melhor que uma humanidade angustiada saída dos escombros da Segunda Grande Guerra poderia produzir. E tem personificado de certa maneira uma apólice de seguros — sem data de prescrição — para uma humanidade sempre arredia ao bacilo da guerra.
 
A interdependência entre povos e nações é, à medida que vemos tomar velocidade o corrente século 21, tão evidente quanto a constatação de que em 1989 foi derrubado o Muro de Berlim e extirpada da face da humanidade essa sua última cicatriz conseguida durante a II Guerra. É nesse cenário, marcado por graves crises econômicas e sociais, que dois terços da população mundial sobrevive em condições de pobreza, quando não de miséria absoluta, que busca-se um interlocutor, um poder, um sentimento supranacional que vocalize os esforços de povos e governos para se alcançar entendimentos comuns sobre assuntos que afetam e colocam em risco o futuro da humanidade como um todo. E isso envolve soluções para o superaquecimento do planeta, a desertificação de imensas extensões de terras, a contaminação do ar, o derretimento das geleiras polares e, não menos grave, a manutenção sob controle dos meios nucleares, que, de tão letais, já dizimaram cidades inteiras, como Hiroshima e Nagasaki, em solo japonês, ainda durante a II Grande Guerra. Tarefas colossais. E também inadiáveis e indelegáveis.
 
Uma época que vê os povos do mundo tendo acesso crescente a todos os tipos de informação e a uma diversidade de ideias irá descobrir que a justiça se afirma como o princípio governante da organização social bem-sucedida. Com frequência cada vez maior, as propostas que visam ao desenvolvimento da Terra terão de submeter-se à luz imparcial dos padrões exigidos pela justiça. No nível individual, a justiça é aquela faculdade da alma humana que torna cada pessoa capaz de distinguir entre a verdade e a falsidade. Aos olhos de Deus, assegura Bahá’u’lláh (1817-1892), “a justiça é a mais amada de todas as coisas, pois permite que cada indivíduo veja com seus próprios olhos e não através dos olhos de outros, conheça através de seu próprio conhecimento e não por intermédio do conhecimento dos seus semelhantes ou do grupo”.
 
Quando observamos via satélite o grau de desamparo em que sobrevive grande parte da humanidade, quando nossos olhos são violentados por crianças “vestidas de pele e osso” em tantas nações africanas e asiáticas, em contraponto com o desperdício acumulado no leito da civilização ocidental, dita cristã, dita europeia, ficamos consternados e em alguns casos indignados. Há, de um lado, excesso de alimentos; de outro, excesso de fome e de miséria. A Declaração Universal dos Direitos Humanos precisa transpor os limites dos protocolos internacionais e se transformar em políticas públicas sólidas, reais, encetadas e monitoradas de perto por governos de todos os povos e nações.
 
Por Washington Araújo,  jornalista, escritor, palestrante e ativista dos direitos humanos.